O MUNDO AO CONTRÁRIO
Aqui está finalmente o novo disco dos Xutos & Pontapés. "O Mundo
ao Contrário". Mais do que o 17.º disco dos Xutos, é o disco editado
no ano em que se comemoram os 25 anos de carreira. Prova máxima
de vitalidade criativa. Em vez de um "celebrante" disco ao vivo
(isso fizeram aos 24 anos!), ou de um "Best Of", (que fizeram aos
20 anos), um disco de originais que já aguardávamos há três anos.
25 anos de carreira! Com 25 anos de carreira é legítimo perguntar
como é que um grupo constrói as suas músicas? Ao fim de 25 anos
como é que cinco pessoas se juntam e escrevem canções? Que pessoas
são essas? A sua identificação é fácil, mas as suas identidades
estão, nesse frágil momento, expostas, partilhadas, em construção.
Quando se reúnem para fazer músicas é um momento de cristal. É o
momento em que a ideia de grupo mais se concretiza. Ver hoje os
Xutos em estúdio é ver cinco pessoas que se juntam como se fosse
a primeira vez, como da primeira vez, como sempre se juntaram nestes
últimos 25 anos.
A sala de ensaio onde decorreu este trabalho de construção de canções,
é um espaço de grande, de enorme, intimidade. Lá, encontra-se o
que se calhar é obvio: sete pessoas metidas numa pequena garagem
adaptada, a lutar e a suar por uma série de minutos de música, cerca
de duas dezenas de canções, esboços de letras, projectos de melodias,
malhas de guitarra, breaks de bateria. Com a necessária paciência,
outras vezes necessariamente sem ela, nasceram cada uma das músicas,
como um bricolage. Momentos complicados, pausas de dúvida, almoços
compridos em que se procuraram respostas e soluções para impasses,
a procura da surpresa, mas que não fosse uma surpresa que se esgotasse
em sí, com a perseverança de quem entende que os 25 anos de carreira
não devem ser uma certeza, mas antes uma responsabilidade. De todos
esses momentos, uma ideia surgia recorrentemente nas conversas:
a procura da "autenticidade". A questão tantas vezes posta, a questão
tantas vezes intuída era essa: como ser autêntico ao fim de 25 anos?
Ser autêntico a quê? Uma coisa era certa, só podia ser um trabalho
autêntico. Ou seja, tinha de ser um trabalho em que as músicas tivessem
aquelas características que as tornam reconhecíveis como sendo dos
Xutos & Pontapés. Sem enunciar essas características, elas pareciam,
no entanto ser consensuais.
E lá se foram passando os dias. À volta dos monitores, sentados,
todos virados uns para os outros, a verem-se, a olharem-se, a passarem
gestos, a trocarem sinais, palavras, ideias, procurando as palavras
certas para dizer o que se procura num dado momento de uma dada
música, tocando uma e outra vez cada música, cada esboço, cada ideia.
Quando saíam da sala, no carro, de regresso à cidade que tantas
vezes foi tema das suas canções, começavam logo a ouvir o que iam
gravando dessas sessões, os esboços, as ideias, os projectos de
músicas. Depois era o telefonar, o contar, o explicar, o questionar,
o sugerir, o procurar de opiniões, o falar do que haviam feito,
para, no dia seguinte, mais uma vez, sentados em torno dos monitores,
a olhar uns para os outros, novas questões, novas soluções, novos
problemas, novas canções, até chegarem a uma mão-cheia de músicas,
aquelas que estão agora neste "O Mundo ao Contrário".
Este ano a responsabilidade era maior. Depois da ansiedade inicial,
e uma vez iniciado o processo, dia após dia, foram-se libertando
dessa preocupação, em especial quando começavam, naturalmente, a
surgir as músicas já com uma estrutura concreta.
Algumas destas músicas já foram estreadas ao vivo, perante alguns
milhares de pessoas, em Beja. Ao segundo refrão do "Ai se ele caí",
já o público participava cantando os novos versos. Como que não
houve tempo para a estranheza de ouvir uma música desconhecida.
Era um momento especial. A música que tinha ocupado tantos dias
e tantas noites, que tinha provocado tantas discussões, tantos consensos,
ganhava a sua vida, existia finalmente na boca daqueles que sempre
estiveram presentes na sala de ensaio, na sala de captação naquele
estúdio do norte e depois tão próximo de Lisboa... as milhares de
pessoas que percorrem o país perseguindo os concertos dos Xutos.
O grupo que um dia quis ser "como os punk's", o grupos que "ou gravava
ou separava-se", o grupo que teimou em romper com o "Cerco" e saltou
para o meio de um "Circo de Feras", o grupo que enfrentou desertos
a que achava ter direito, o grupo que encheu o Pavilhão Atlântico
e teve 20 grupos a interpretar 20 suas canções nos seus 20 anos,
é o mesmo grupo que comemora este ano os 25 anos. Afinal o dia 13
de Janeiro de 1979 ainda está ali e este disco e os dias que levaram
à sua preparação, são a prova disso. Não é necessário aventurarmo-nos
pelos campos da avaliação estética. A música está para além disso.
Hoje estamos aqui com o novo disco dos Xutos. Hoje é um momento
especial, hoje é um daqueles momentos em que o que é novo, é também
algo que reconhecemos. Agora vamos festejar este intenso quarto
de século... e que melhor forma de o fazer se não ouvirmos estas
novas canções?
Pedro Félix
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